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Cinje-se o peito numa contracção redonda interna das costas
Sente-se o ar que ecoa no intrínseco
como que a avisar... que a hora está a chegar - Tempo!
Indicam-se os sinais do já foi corrido;
cabelos brancos, rugas e outras expressões que se vincam.
Pesa-se em cada uma delas qualquer coisa que a burocracia não distingue.
Sente-se o peso dos passos que rugem nas escadas que se pisa,
pesa-se a mão que limpa um corrimão gasto, cheio de farpas e teias,
mete-se as chaves na porta que late no escuro do vazio interior.
O bater da porta que nunca cessa, dia após dia.
Tudo é preto, castanho e cinza.
Só se disfarça nas poucas peças de cor que ousa adornar o ego e que ressoam a:
"Mas que bonita que a Senhora Dona vai hoje!"
Que singelo elogio...
Sentada na esplanada movimentada de uma Av. de Lisboa, dou por mim a mirar uma Senhora Dona que se passeia com a ajuda da bengala, que não poderia deixar de ser preta, é comparativamente o braço que lhe falta á muitos anos. Preta, como o pesar da sua alma que carrega e lhe curva a costas quase que perfazendo um ângulo de 90 graus. Pesada, cansada, vazia... mas sempre sorridente. Atravessa a enorme passadeira arrastando consigo um saco qualquer em que guarda uma revista. Sempre a mesma revista...
Não lhe disse como estava bonita nesse dia porque achei despropositado, simplesmente lhe dei o meu sorriso, olhos nos olhos, com tudo de "Bom Dia" que tinha para lhe dar. Ela tão simplesmente parou, aproximou-se de mim e disse-me: "Bom Dia menina. Está muito bonita hoje."
E foi, um dos mais belos bons dias que me poderiam ter dado.
Todos os dias ouço a porta bater,
o chão ranger e o corpo a deitar,
despovoado,
molestado
e desesperado.
Só sei que a Senhora Dona existe na sua maior prova de coragem.
E mais uma vez, hoje pelo fim da tarde, ouvi a porta bater.
1 comentário:
Muito bonito!
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